07 - O GRANDE IRMÃO


             

Será que ele, disfarçadamente, já habita entre nós?


                     
                    Iniciamos por sugerir a leitura atenta de uma obra de George Orwell que, embora escrita em 1945 e publicada pela primeira vez em 1946, tendo por escopo uma antevisão do mundo político em 1984, apresenta-se como um tema merecedor de ser apreciado e considerado nos dias atuais.

                    É imprescindível difundir a conveniência dessa leitura, para que cada vez mais cidadãos fiquem alerta e cientes da desgraça que se nos avizinha e procurem, todos juntos, embarreirá-la.  

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                Sinópse - A obra de Orwell intitulada de “1984" não é apenas mais um livro sobre política, mas uma metáfora do mundo que estamos inexoravelmente construindo.
               
                Invasão de privacidade, avanços tecnológicos que propiciam o controle total dos indivíduos, destruição ou manipulação da memória histórica dos povos e guerras para assegurar a paz já fazem parte da realidade.
               
                Se essa realidade caminhar para o cenário antevisto em 1984, o indivíduo não terá qualquer defesa. Aí reside a importância de se ler Orwell, porque seus escritos são capazes de alertar as gerações presentes e futuras do perigo que correm e de mobilizá-las pela humanização do mundo.


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                    Haveremos de perquirir: Para onde caminhamos e se é isso que queremos para as nossas vidas e a dos nossos descendentes? Será que já não estamos, em parte, vivendo sob a disfarçada égide desse domínio estranho e abominável?

                    Pelo estado atual das coisas e pela desgraça futura, todos nós somos e seremos responsáveis. Só há um caminho capaz de nos afastar desse inferno. O caminho do exercício pleno e destemido da cidadania e da democracia.

                    Atentem para que um escorço histórico não longínquo nos leva a lembrar o sofrimento do povo soviético a partir da revolução comunista com o desmedido desempenho da KGB (Komitet Gosudarstvennoi Bezopasnosti -  Comité de Segurança do Estado), também, o do povo alemão durante o Regime Nazista com os métodos usados pela GESTAPO (Geheime Staatspolizei – Polícia Secreta do Estado) e, ainda,  dos  portugueses durante a Ditadura Salazarista através das odiosas ações da PIDE (Polícia Internacional de Defesa de Estado).

                    As menções feitas a esses três casos, não são excludentes de muitos outros. Há os que praticaram e ainda praticam, até os dias atuais, o império da vontade de, apenas, um grupo ou de um elemento dominante, que outorga todos os direitos aos que a ele se juntam, relegando aos que não o apoiam, a ausência de qualquer direito que os afaste da reclusão, da tortura e/ou da eliminação, para o bem do regime.

                    No Brasil, desprezando tempos anteriores, recordemos o Golpe Militar de 1964 e a implantação de Regime de Exceção, quando tudo se tornou possível em nome da Segurança Nacional. A invasão de privacidade, mesmo com recursos tecnológicos ainda não tão evoluídos como agora, tornou-se uma tônica no controle dos indivíduos, espalhando o pavor.

                    As empresas exploradoras dos sistemas telefônicos foram “convidadas ou aconselhadas” a desenvolver redes especiais para atender aos seus sistemas fechados de observação/operação (DOI-CODI) e, bem assim, a promover as interceptações telefônicas que lhes fossem determinadas, transferindo os dados fonados para as suas instalações centrais de gravações.

                    Ninguém estava a salvo, pois, tudo se permitia às forças militares que, no poder, destinavam boa parte do seu tempo e dos seus recursos à caça implacável dos chamados “subversivos”, coadjuvadas por órgãos policialescos e inescrupulosos como o DOI (Destacamento de Operações de Informações), o CODI (Centro de Operações de Defesa Interna), o SNI (Serviço Nacional de Informações) e DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) criado em 1924 na ditadura Vargas – Estado Novo - para controlar e reprimir movimentos políticos e sociais contrários ao regime, órgão que adquiriu importância destacada nos chamados “Anos de Chumbo”.

                    Nenhuma lei regulava essa matéria, exceção feita à Constituição Federal que implantava, como cláusula pétrea, o princípio da inviolabilidade da correspondência e das comunicações telefônicas e telegráficas. Mas..., qual o poder da Constituição face ao Regime de Exceção? Se a Constituição estava atrapalhando, porque não afastá-la ou suspendê-la? E, assim, baseados no princípio então vigente do – “nós podemos tudo” – a Constituição de 1946 foi suspensa pelo Ato Institucional nº 5, em 1968.

                    Assim, o exercício do poder se tornou mais confortável para aqueles que o detiveram até o fim do Regime de Exceção em 1985. Mas, o império da Democracia e da Cidadania da forma que deve ser exercido, não tardou a ser menosprezado na chamada Constituição Cidadã de 1988, em que pese o quanto discursado pelo Dr. Ulisses Guimarães, Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, em 5 de outubro de 1988:
“É a Constituição Coragem.
Andou, imaginou, inovou, ousou, ouviu, viu, destroçou tabus, tomou partido dos que só se salvam pela lei.
A Constituição durará com a democracia e só com a democracia sobrevivem para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça."

                    É que a Constituição de 1988, no art. 5º, inciso XII, mesmo como exceção, em último caso e para fins de investigação ou instrução processual penal, na dependência de ordem judicial, legitimou a violação das correspondências, das comunicações telegráficas, telefônicas e de dados e, consequentemente, da privacidade dos cidadãos.

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal(grifos nossos)

                    Tudo seria tolerável se não se passasse a entender, propositadamente, de modo diverso da interpretação vernacular, certos termos utilizados na redação desse dispositivo constitucional pétreo, como segue.

                    A expressão NO ÚLTIMO CASO, passou a ser entendida como EM QUALQUER CASO e a que menciona PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO, passou a ser utilizada como PARA QUALQUER FIM e, ainda, de modo espetaculoso, a expressão PARA FINS DE INSTRUÇÃO PROCESSUAL PENAL ficou sendo entendida como PARA FINS DE PROVA EM AÇÃO CRIMINAL.

                    Em razão disso podemos dizer que, hoje, muito mais de 5.000.000 de cidadãos brasileiros estão tendo as suas privacidades e intimidades devassadas por escutas ou grampos telefônicos de duração infinita, isso com autorização judicial expedida, muita vez, pela incúria de alguns Magistrados inconsequentes, inescrupulosos e tendenciosos.

                    Não se combate a criminalidade com a deturpação, em nome da justiça, dos princípios constitucionais pétreos, ou mesmo, das normas infraconstitucionais, como no caso da Lei nº 9.296, de 1996.

                    Note-se que já na cabeça do art. 1º dessa Lei está estampada a violação de preceito constitucional, quando assim expressa:

 Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça. (grifo nosso)

                    Ai está, pois, uma clara deturpação do texto constitucional, expressa em texto infraconstitucional, conforme antes mencionada nestes comentários. Será que por mero engano redacional ou, o que parece política e juridicamente óbvio, com o propósito de restringir direitos fundamentais garantidos na carta magna? Será que o que você diz pode ser prova de que você fez, mesmo sem ter feito?

                    Prosseguindo, examinemos, ainda nesse artigo, se esse tal segredo de justiça ainda está ou, em algum tempo já esteve, vigente? Não é o que presenciamos a cada dia na imprensa falada, escrita, televisionada e telematizada que, até transmitem as gravações da própria voz dos interceptados, quando a Lei determina que de tais gravações se realizem as transcrições.

                  Art. 6° Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização.
        § 1° No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição. (grifo nosso)

                    Mais uma vez a Lei em tela, no seu art. 8º, deixa claro que o segredo de justiça deva ser preservado para proteger o interceptado que, no caso, é apenas investigado.

             Art. 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas. (grifo nosso)

                    Também se deve questionar se os Magistrados, ao determinarem uma  medida  de exceção como tal, o  estão fazendo, efetivamente, de modo consciente, consequente e isento, cumprindo os ditames e a mens legis da carta magna, ou, no mínimo, das disposições da lei in comento.

Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
       I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
       II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
    III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
        Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

                    De referência a duração dessas interceptações, o descalabro e tão evidente que clama pela interveniência dos Tribunais superiores e pelo Conselho Nacional de Justiça, pois, as decisões judiciais concessivas dessa medida invasiva tem como letra morta o art. 5º da Lei.

             Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.  (grifo nosso)

                    Pois é, os comentários de natureza fático-jurídica que nos permitimos aqui fazer, certamente poderiam se estender por caminhos mais densos e longos, mas..., se afastariam da nossa pretensão de demonstrar a visão política atual e as desastrosa  práticas dos nossos dias que até parecem submissas a conselhos e teorias  “princepescas”  tendentes ao alcance da antevisão de Orwell.

                    Embora pareça, não estamos sendo nem radicais, nem exagerados, mas sim, conscientes e pragmáticos, mormente quando observamos que cada interceptação requisitada e concedida não atenta, apenas, contra a privacidade do cidadão sob investigação, mas sim, contra a privacidade e intimidade de tantos quantos com ele se comunicam. Observem, ainda, que, se em alguma das interlocuções surgir uma palavra que os “interpretes” considerem como suspeita, no confronto com um “dicionário” só deles, esse interlocutor terá deferida, também, a interceptação das suas chamadas, quebrando, por igual, a privacidade e intimidade daqueles que com ele se comunicarem.

                    Aqueles que já leram algo sobre fissão nuclear, por certo entenderão que, mutatis mutandi, estamos diante de um quadro de reação em cadeia capaz de promover estragos irreparáveis, que podem e devem ser evitados, se impedirmos que alcancem a massa crítica, seja no conceito da física nuclear, seja no conceito sociológico.
  

Salvador/Bahia, junho de 2012
A. Magalhães



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