Reclamação Constitucional


RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL
BREVE ESTUDO

1. INSTITUTO DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL *  2. RECLAMAÇÂO CONSTITUCIONAL NOS TRIBUNAIS FEDERAIS - 3. RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL NOS ESTADOS - 4. EFEITO VINCULANTE NA ADI – 5. NORMAS PROCEDIMENTAIS  – 6.  RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL NO ESTADO DA BAHIA


                        1 – INSTITUTO DA RECLAMAÇÂO CONSTITUCIONAL

                        Preservar a competência que lhes é outorgada e garantir a autoridade de suas próprias decisões, de ofício ou mediante provocação de interessados, são atribuições inerentes aos Tribunais, como princípios ou como esteios inafastáveis e indispensáveis ao exercício do  Poder Judiciário.

                        Contudo, só com a Carta de 1988 um instituto procedimental  para essa finalidade foi expressamente constitucionalizado, mediante a inserção, no texto da Constituição Federal, de dispositivos  específicos, tais como a alínea “l” do inciso I, do art. 102 e alínea “f” do inciso I, do art. 105, referentes, respectivamente, à competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, como segue:


Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

...................................................................
...................................................................
.....................................

l)       a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

..............................................................................................................................................................................................

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:
.....................................................................
.................................. ...................................
..................................

f)       a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

                        A partir de então, o que antes era provocado mediante inespecíficas Reclamações ou Representações passou a ser postulado por via de instituto próprio e especial que, por decorrer de expressa menção na Carta Magna, recebeu a denominação de Reclamação Constitucional.

                        Esse instituto foi regulado, infraconstitucionalmente, pelos artigos. 13 a 18, da Lei nº 8.038 de 28 de maio de 1990, que Instituiu normas procedimentais para os processos que menciona, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, da forma seguinte:

Art. 13            . Para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões, caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público.

                                      Parágrafo único. A reclamação, dirigida ao Presidente do Tribunal, instruída com prova documental, será autuada e distribuída ao relator da causa principal, sempre que possível.

Art. 14. Ao despachar a reclamação, o relator:
      
                                      I - requisitará informações da autoridade a quem for imputada a prática do ato impugnado, que as prestará no prazo de 10 (dez) dias;

                                      II - ordenará, se necessário, para evitar dano irreparável, a suspensão do processo ou do ato impugnado.

Art. 15. Qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante.

Art. 16. O Ministério Público, nas reclamações que não houver formulado, terá vista do processo, por 5 (cinco) dias, após o decurso do prazo para informações.

Art. 17. Julgando procedente a reclamação, o Tribunal cassará a decisão exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à preservação de sua competência.

Art. 18. O Presidente determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.



                       
                        2 – RECLAMAÇÂO CONSTITUCIONAL NOS TRIBUNAIS FEDERAIS


                        Inexplicavelmente, esses dois Tribunais Superiores, foram os únicos contemplados pela Constituição Federal e pela norma legal infraconstitucional com a outorga de competência específica e explícita para processar e julgar a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões e, assim, inseriram eles, também, nos seus respectivos Regimentos Internos,  a medida de que se trata, fazendo-o da forma que segue:

NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Art. 156. Caberá reclamação do Procurador-Geral da República, ou do interessado na causa, para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões.
Parágrafo único. A reclamação será instruída com prova documental.
Art. 157. O Relator requisitará informações da autoridade, a quem for imputado a prática do ato impugnado, que as prestará no prazo de cinco dias.

Art. 158. O Relator poderá determinar a suspensão do curso do processo em que se tenha verificado o ato reclamado, ou a remessa dos respectivos autos ao Tribunal. 

Art. 159.         Qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante. 

Art. 160.         Decorrido o prazo para informações, dar-se-á vista ao Procurador-Geral, quando a reclamação não tenha sido por ele formulada.

Art. 161.Julgando procedente a reclamação, o Plenário ou a Turma poderá:
Parágrafo único. O Relator poderá julgar a reclamação quando a matéria for objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal

I –       avocar o conhecimento do processo em que se verifique usurpação de sua competência;

II –      ordenar que lhe sejam remetidos, com urgência, os autos do recurso para ele interposto; 

III –     cassar decisão exorbitante de seu julgado, ou determinar medida
adequada à observância de sua jurisdição. 

Art. 162. O Presidente do Tribunal ou da Turma determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.

NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Art. 187. Para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões, caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público.

Parágrafo único - A reclamação, dirigida ao Presidente do Tribunal e instruída com prova documental, será autuada e distribuída ao relator da causa principal, sempre que possível.

Art. 188. Ao despachar a reclamação, o relator:

I - requisitará informações da autoridade a quem for imputada a prática do ato impugnado, a qual as prestará no prazo de dez dias;

II - ordenará, se necessário, para evitar dano irreparável a suspensão do processo ou do ato impugnado.

Art. 189. Qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante.

Art. 190. O Ministério Público, nas reclamações que não houver formulado, terá vista do processo, por cinco dias, após o decurso do prazo para informações.

Art. 191. Julgando procedente a reclamação, o Tribunal cassará a decisão exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à preservação de sua competência.

Art. 192. O Presidente determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.

                        Contudo, sendo, como efetivamente são, a preservação da própria competência e a garantia da autoridade das próprias decisões, atribuições inerentes aos Tribunais, aqueles não contemplados, neste aspecto, pela Constituição e pela Lei Federal, trataram de instituir medida específica para esse fim, nos seus respectivos Regimentos Internos.

                        Assim é que o Tribunal Superior Eleitoral o incluiu no art. 15, parágrafo único, inciso V, do seu Regimento Interno, dispondo que, “a reclamação é cabível para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões” (redação dada pela Resolução n° 19.305, de 25 de maio de 1995, daquele Tribunal).

                        O Tribunal Superior do Trabalho o fez mediante a alínea “d” do art. 70, também do seu Regimento Interno, estabelecendo competir à sua composição plena, “processar e julgar as reclamações destinadas à preservação da competência dos órgãos do Tribunal, assim considerados aqueles mencionados no art. 61 deste Regimento, ou a garantir a autoridade de suas decisões”.

                       
                        E, por seu turno, Superior Tribunal Militar, no art. 105 do seu Regimento Interno preceituou que: O Superior Tribunal Militar poderá admitir Reclamação do Ministério Público Militar ou da Defesa, a fim de preservar a integridade de sua competência ou assegurar a autoridade do seu julgado”.

                        No âmbito dos Tribunais Regionais Federais, contudo, a situação não se afigurou tão pacífica.

                        O Tribunal Regional Federal da 5ª. Região, por exemplo, fez constar no seu Regimento Interno, mais precisamente no art. 7°, IX, disposição sobre a sua competência para “julgar as reclamações para garantia de suas decisões, na forma da lei”, vindo posteriormente a emendar o Diploma (Emenda Regimental n° 34), para, intitulando o instituto de “representação”, prever, no inciso V do seu art. 5º, competência para “julgar representações para garantia de suas decisões”.

                        Nos Regimentos Internos dos demais Tribunais Regionais Federais não foram encontradas menções a esse instituto, o que levou à sua inadmissibilidade, como, apenas para exemplificar, se pode ver nos julgamentos de Agravos Regimentais na Reclamação n° 2003.01.00.009467-6/DF (Corte Especial do TRF da 1ª. Região) cuja decisão colegiada foi ementada com o seguinte teor:

“PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO PARA FIM DE PRESERVAÇÃO DA AUTORIDADE DE DECISÃO JUDICIAL. PROVIDÊNCIA NÃO INCLUÍDA NA COMPETÊNCIA DE OUTROS TRIBUNAIS FEDERAIS QUE NÃO O STF E O STJ. REPRESSÃO DO DESCUMPRIMENTO DO DECISUM NA ÓRBITA PENAL.

                        3 - RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL NOS ESTADOS

                        Já no ambiente judiciário dos Estados pôde-se constatar casos de  inclusão do instituto da Reclamação de que se trata,  alguns  nas Constituições Estaduais, outros nos Regimentos Internos dos respectivos Tribunais de Justiça e, outros mais, em ambos os diplomas.

                        Contudo, o entendimento quanto a legitimidade da medida em apreço, nessa esfera, também não foi uníssono ou, sequer, pacífico, tendo sido posta em dúvida em diversas oportunidades.
                       
                        Marco importante na fixação da legitimação da admissibilidade dessa medida, não só no âmbito dos Tribunais Estaduais, como também nos Tribunais Regionais Federais e outros, se estratificou no julgamento da ADI 2.212-1 - Ceará, relatada pela Ministra Hellen Grace, que espancou as dúvidas e afastou as preexistentes decisões em contrário.

                        Dita Ação Direta de Inconstitucionalidade, promovida pelo Governador do Estado do Ceará, objetivou declarar a inconstitucionalidade do art. 108, inciso VII, alínea I, da Constituição Estadual e art. 21, inciso VI, alínea I, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado, que tratavam da Reclamação Constitucional, assim instituída na Constituição do Estado:

Art. 108. Compete ao Tribunal de Justiça:
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VII - processar e julgar, originariamente:
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i) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

                        Essa Ação Direta de Inconstitucionalidade, inicialmente, em maio de 2000, teve deferida, em parte, e por maioria, pelo Plenário do STF, medida liminar para suspender os dispositivos questionados, com eficácia ex tunc.

                        Contudo, no  julgamento do mérito, iniciado em dezembro de 2002, sob a relatoria da ministra Ellen Gracie, o Plenário da Corte Constitucional, por maioria, julgou improcedente a ação, ficando o aresto assim ementado:


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 108, INCISO VII, ALÍNEA I, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ E ART. 21, INCISO VI, LETRA I DO REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. PREVISÃO, NO ÂMBITO ESTADUAL, DO INSTITUTO DA RECLAMAÇÃO. INSTITUTO DE NATUREZA PROCESSUAL, CONSTITUCIONAL, SITUADO NO ÂMBITO DO DIREITO DE PETIÇÃO PREVISTO NO ARTIGO 5º, INCISO XXXIV, ALÍNEA A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISATÊNCIA DE OFENSA AO ART. 22, INCISO I, DA CARTA.


                        Em verdade, ao apreciar e decidir essa Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Corte Constitucional afastou todos os óbices já suscitados à adoção da Reclamação pelos Tribunais Estaduais, e, por igual, pelos Tribunais Regionais Federais, mediante a precisa e consentânea fundamentação que emanou dos votos dos seus Ministros, dentre os quais se destacaram os da Ministra Hellen Gracie e do Ministro Marco Aurélio, que seguem, na íntegra, aqui transcritos:

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 MINISTRA HELLEN GRACIE

                        A Senhora Ministra Ellen Gracie - (Relatora): O Ministro Djaci Falcão, no voto proferido na Representação n° 1.092/DF (sessão de 31.10.84), aduziu que "a reclamação começou por uma construção pretoriana do mais elevado alcance, constituindo um desdobramento das atribuições conferidas constitucionalmente ao Supremo Tribunal Federal, para que pudesse cumprir, integralmente, a sua missão, preservando, de modo eficaz, a sua competência e a autoridade dos seus julgados, como órgão de 'superposição a todos os juízes e Tribunais do país'''. Salientou Sua Excelência naquela ocasião, baseado em lição de José Frederico Marques', a importância de que as decisões do Supremo Tribunal Federal, superposto a todo o sistema judiciário do país, pudessem ter a garantia de que não fossem desobedecidas, de modo direto ou oblíquo, preocupação também manifestada no tocante a eventual usurpação da competência desta Corte por outro Tribunal ou Juízo.

                        Noticiou o Min. Djaci Falcão a apresentação, pelo Min. Ribeiro da Costa, de emenda ao Regimento desta Casa, aprovada em 2.10.57, incluindo no seu corpo a, figura da reclamação "a fim de preservar a integridade de sua competência ou assegurar a autoridade de seus julgados", que foi mantida pelos regimentos posteriores (Regimento Interno de 18.06.70, artigos 161 a 167, e Regimento Interno de 25.10.80, artigos 156 a 162). A Carta Política de 1967 veio a legitimar essa inclusão quando conferiu ao Supremo Tribunal a competência para estabelecer, no seu regimento interno, o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal (art. 115, parágrafo único, letra, conforme o texto original; art. 120, parágrafo único, letra, Ç" de acordo com a EC no 1/69; e art. 119, parágrafo 3°, letra c, à luz da EC no 7/77). Por fim, a Constituição Federal de 1988 constitucionalizou o instituto, ao incluir no rol de competências do Supremo Tribunal Federal (alínea I do inciso I do art. 102) e do Superior Tribunal de Justiça (alínea f do inciso I do art. 105) o processamento e o julgamento da reclamação para a preservação da sua competência e garantia da autoridade das suas decisões.

                        A história da sua construção. e o status constitucional que lhe deu a Carta de 1988 são indicativos de que não se trata de singelo instituto processual, a ser utilizado no bojo de uma relação processual visando à prestação jurisdicional por parte do Estado, que irá, por seu órgão judiciário, aplicar o direito a um caso concreto. Trata-se, sim, na dicção de José Frederico Marques, de "um desdobramento das atribuições jurisdicionais que são conferidas, constitucionalmente, àqueles Tribunais. Inserindo-se, assim, no campo do Direito Processual Constitucional, pode a ordem jurídica, mediante normas regimentais, criar providências dessa natureza para a garantia de observância de julgados em que interfere, até mesmo, o guardião supremo e último da própria Lei Magna”. Trata-se de instrumento destinado a dar efetividade a decisões prolatadas em última instância pelas Cortes de jurisdição nacional: o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição da República, e o Superior Tribunal de Justiça, guardião da legislação federal, bem como de um instrumento destinado a preservar a competência de ambos contra usurpação cometida por outro Tribunal ou órgão do Poder Judiciário.

                        Na hipótese vertente, de utilização do instituto da reclamação por Tribunal Estadual, com base em previsão contida na Constituição Estadual e no Regimento Interno do Tribunal de Justiça, entendo que se deva aplicar o mesmo raciocínio, que levará à conclusão de que não há, no caso concreto, ofensa ao art. 22, inciso I da Constituição, que confere competência privativa à União para legislar sobre direito processual.

                        Ada Pelegrini Grinover, em artigo sobre o tema, após descartar a natureza de recurso, de ação e de incidente processual da reclamação, valendo-se também da referida lição de José Frederico Marques, colocou-a no âmbito do direito constitucional de petição previsto no artigo 5°, inciso XXXIV, alínea a da Constituição Federal, pelo qual o cidadão ou a cidadã se dirige ao Poder Público visando à defesa de direito ou ao combate a ilegalidade ou abuso de poder. Segundo Ada Pelegrini, "é o que ocorre claramente quando se cuida da reclamação aos tribunais, com o objetivo de assegurar a autoridade de suas decisões: não se trata de ação, uma vez que não se vai discutir a causa com um terceiro; não se trata de recurso, pois a relação processual já está encerrada, nem se pretende reformar a decisão, mas antes garanti-Ia. Cuida-se simplesmente de postular perante o próprio órgão que proferiu uma decisão o seu exato e integral cumprimento”.

                        O então Advogado-Geral da União, Ministro Gilmar Mendes, ao defender as normas impugnadas (fls. 440/448), sustentando a sua constitucionalidade, propugnou por uma interpretação conforme a Constituição Federal, admitindo-se a reclamação, no âmbito estadual, tão somente para preservar a autoridade das decisões proferidas no controle abstrato de normas perante as Cortes Estaduais.

                        Partiu o eminente Advogado-Geral do entendimento de que, no âmbito estadual, "o instituto da reclamação constitui inexorável decorrência da eficácia geral e do efeito vinculante do controle abstrato de normas deferido pela Constituição Federal aos Tribunais de Justiça", nos termos do que dispõe o artigo 125, § 2° da Constituição Federal. A reclamação, assim, segundo o defensor das normas impugnadas, seria essencial como instrumento de defesa judicial das decisões proferidas pelas Cortes Estaduais no exercício da função de guardiãs das Cartas Constitucionais locais, cuja elaboração tenha sido assegurada pela Constituição Federal às unidades federadas, conforme ensinamento de Emst Friesenhahn.

                        Salientou o Advogado-Geral, citando lição de Anna Cândida da Cunha Ferraz, as limitações positivas a que se sujeita o poder constituinte decorrente do Estado-membro, em virtude das quais deve concretizar, no âmbito territorial local, "os preceitos, o espírito e os fins da Constituição Federal”, apontando o disposto no caput do artigo 125 da Carta Política.

                        Nessa linha, entende que o instrumento da reclamação, no âmbito estadual, visa justamente a concretizar o disposto nesse último dispositivo constitucional, conferindo eficácia às decisões proferidas pelas Cortes estaduais em sede de controle abstrato de constitucionalidade, a exemplo do que ocorre no âmbito da União.

                        Opinou o Advogado-Geral, assim, por uma interpretação conforme a Constituição, por meio de redução teleológica, "para o fim de admitir a reclamação para preservar a autoridade das decisões proferidas no controle abstrato de normas perante as Cortes Estaduais".

                        Vou mais além.

                        Como ensina Ada Pelegrini Grinover no mencionado artigo, a natureza jurídica da reclamação está mais próxima do direito de petição, constitucionalmente assegurado ao cidadão e à cidadã, do que ao direito de ação ou ao direito de recorrer que tem a parte no bojo de uma relação processual. O objetivo desse instrumento é o de proporcionar à parte ou ao terceiro interessado um meio hábil de, nas palavras de Ada Pelegrini, "postular perante o próprio órgão que proferiu uma decisão o seu exato e integral cumprimento". Evita-se, por essa via, no caso de ofensa à autoridade de um julgado, decorrente, por exemplo, de uma interpretação que extravase os seus limites, o caminho tortuoso e demorado dos recursos previstos na legislação processual, inegavelmente inconvenientes quando já tem a parte uma decisão definitiva, transitada em julgado.

                        Não vejo porque não se possa, no âmbito estadual, em nome do principio da simetria, dotar os Tribunais de Justiça desse instrumento, para garantir a autoridade das suas decisões que, não impugnadas pela via recursal, tenham ali mesmo transitado em julgado. Ou então para preservar a sua competência, eventualmente invadida por ato de outro Juízo ou Tribunal local.

                       O art. 125, caput dispõe que "Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição". O § 1º preceitua que "A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça" .

                        À luz desses dois preceitos, na fixação da competência dos tribunais estaduais, a Constituição local deve observar os princípios estabelecidos na Carta Federal. O instituto da reclamação, como demonstrado, é valioso instrumento para dar efetividade às decisões judiciais e, como mostra a sua história, foi criado para garantir a efetividade das decisões prol atadas em última instância pelo Supremo Tribunal Federal - após a Constituição de 1988, para garantir também as decisões do Superior Tribunal de Justiça, guardião da lei federal.

                        O Estado do Ceará, ao elaborar a sua Constituição, definiu o rol de competências do Tribunal de Justiça, nos termos do parágrafo 1º do art. 125 da Carta Federal, incluindo nele a figura da reclamação. Como o caput do art. 125 diz que os Estados organizarão sua Justiça observando os princípios estabelecidos na Constituição Federal, tem-se que o instituto da reclamação, como demonstram as alíneas I do inciso I do art. 102 e f do inciso I do art. 105 da CF, por ter como objetivo dar plena eficácia às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, traz no seu bojo um princípio que deve ser seguido pelos Estados-membros no âmbito da sua competência, que é o princípio da efetividade das decisões judiciais.

                        Julgo improcedente esta ação direta de inconstitucionalidade, revogada a medida cautelar anteriormente concedida.

MINISTRO MARCO AURÉLIO

                        O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Senhor Presidente, estamos no controle concentrado de constitucionalidade, havendo ai uma premissa, segundo a qual só devemos concluir pela pecha de inconstitucionalidade quando essa inconstitucionalidade é gritante, é evidente.

                        O que se verifica na espécie? Na Constituição estadual, considerado o texto primitivo decorrente da Carta de 1988, dispôs-se sobre a criação da reclamação no Tribunal de Justiça. Indaga-se: Essa regência, tendo em conta o poder constituinte estadual, mostra-se conflitante com a Carta. da República? A resposta, para mim, é desenganadamente negativa. Não se mostra, por quê? Porque temos, na Constituição Federal, a medida excepcional, que é a reclamação quanto a dois Tribunais: ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça.

                        Ora, no Estado, o órgão de cúpula do Judiciário é o Tribunal de Justiça, como é, no cenário nacional, o Supremo Tribunal Federal. Se já há previsão, na esfera federal, quanto ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, da reclamação não se tem a adoção, na Carta estadual, de principio ou de criação de medida que contrarie a Carta da República.

                        Qual seria, no caso, o conflito existente com a Carta da República? Teria dificuldades em apontá-Io. Disse o Ministro Carlos Velloso a partir do voto proferido pela Ministra Ellen Gracie - que os doutrinadores divergem quanto à natureza jurídica da reclamação. Tem-se a reclamação – creio que a opinião mais consistente é nesse sentido - como um procedimento, visando a preservar a competência da Corte ou a autoridade dos julgados da Corte.

                        Senhor Presidente, por isso, reportando-me ao ato da liminar, que a seguir transcrevo, acompanho a divergência, com a devida vênia de Vossa Excelência, para julgar improcedente o pedido formulado na inicial da ação direta de inconstitucionalidade:

                 “O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) - O pano de fundo está consignado na inicial apresentada pelo Governador do Estado do Ceará. Inúmeras ações foram processadas e julgadas pelo Tribunal de Justiça, algumas de estatura constitucional, já que foram julgados, também, mandados de segurança. É sob a égide de textos constitucionais que esta Corte já afirmou em pleno vigor - em que pese a Emenda Constitucional nº 19/1998, a depender, para a maioria, sob o ângulo da eficácia, de uma lei que estabeleça o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal - chegou-se à procedência dos pedidos formulados nessas ações, alcançando-se a concessão da segurança.

                Evoca o Governador do Estado, na inicial desta Ação Direta de Inconstitucionalidade, que o quadro constitucional teria sofrido substancial modificação, em face da Emenda nº 19, quer em relação à impossibilidade de, considerado o texto desta Emenda, excluírem-se do cotejo - para saber-se da observância, ou não, do teto constitucional - as vantagens pessoais, quer também no tocante à base de cálculo de parcelas acessórias que, segundo os ditames da Emenda, deve estar refletida no básico percebido pelo servidor.

                De inicio, cabe indagar: estamos diante de uma situação que atrairia a aplicação do artigo 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, norma extravagante no que se teria caminhado para o afastamento, do cenário jurídico constitucional, das situações constituídas, revelando que não se poderia articular a existência de direito adquirido a qualquer título? Será que o poder constituinte do legislador da Emenda nº 19 mostrou-se da mesma envergadura daquela do legislador constituinte da Carta  de 1988 ? Seria originário, para ter-se  praticamente uma virada de mesa, esse poder constituinte reformador?

                Essas questões ficam no ar, e vejo que se olvida até uma via mais alargada para alterar-se a coisa julgada, quando em jogo relação jurídica continuada ou  continuativa, como está no Código de Processo Civil. Para essas situações, semelhantes àquelas que se tem normalmente no Direito de Família quanto aos alimentos, há uma ação com juízo natural, porque ditado pela Carta da Republica: a ação revisional do artigo 471 do Código de Processo Civil.

                Entretanto, estamos diante, agora, não de um processo a envolver interesses subjetivos - e aí não levo em consideração essas situações constituídas. Defrontamo-nos com um processo a revelar a ação direta de inconstitucionalidade; um processo objetivo, como proclamado pelo Ministro Celso de Mello em várias oportunidades, no qual se sustenta que o Regimento Interno da Corte e também a Constituição - vejam bem, a Lei Maior do Estado do Ceará - conflitam com a Carta da República, no que se teria adentrado o campo reservado à competência exclusiva da União, dispondo, vamos deixar de lado o  Regimento Interno, na Constituição do Estado do Ceará, sobre tema de índole processual.

                O precedente da Corte, mencionado pelo Relator e também pelo Ministro Néri da Silveira, diz respeito a um quadro diverso, já que o Tribunal Federal de Recursos acabou, ele sim, por legislar, inserindo, no Regimento Interno, a reclamação. Todavia, a situação, como estamos vendo, dado o próprio objetivo da ação direta de inconstitucionalidade, é diversa. Aqui, não foi simplesmente o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará que veio a legislar. A Corte simplesmente transportou, escrevendo e repetindo no Regimento Interno, o que se continha na Constituição do próprio Estado.

                Ora, vem-nos da Lei Maior, no seu artigo 25, que:

Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.

                Mais do que isso, especificamente quanto ao Poder Judiciário, temos, no artigo 125, o preceito segundo o qual:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

                Não considero a reclamação - e, portanto, afasto o enquadramento do tema como processual - um recurso propriamente dito. Ante o objetivo da reclamação, tal como definido na Carta do Estaco do Ceará, tal medida está ligada, umbilicalmente, à organização e respeitabilidade do Poder Judiciário. Acima de tudo, à respeitabilidade. E aqui. devemos presumir, à luz do princípio da razoabilidade, um. procedimento do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará harmônico com o ordenamento jurídico, no que vem determinando a observância das sentenças proferidas.

                Façamos justiça ao Poder Judiciário do Estado do Ceará. Está vinculada a reclamação à organização do próprio Poder Judiciário local, no que o instrumento tem como objeto a preservação da competência. do órgão máximo do Judiciário do Estado federado. De nada adiantaria a atuação do Estado-juiz, se não houvesse um meio coercitivo para tornarem-se eficazes os respectivos atos e, acima de tudo, para garantir a. autoridade de suas decisões.

                Creio que a regência da atividade legisferante não decorre do texto no artigo 22, inciso I. da Constituição Federal, mas do disposto no artigo 24, ao prever a competência concorrente da União, dos Estado e do Distrito Federal para normatizar procedimentos em matéria processual.

                Qual seria o' meio para buscar-se a efetividade de uma sentença mandamental? Seria o processo de execução? A propositura, em si. de uma ação visando à execução forçada? Não. É a comunicação ao órgão prolator da sentença mandamental do descumprimento desta, para vir-se, coercitivamente, a tornar eficaz o que nela se contém.

                Mais do que isso: observo que, nesse campo, cabe a simetria. Como ressaltado pelos Colegas, a reclamação teve origem em uma construção jurisprudencial. Foi constitucionalizada pelo Constituinte de 1988_ Notamos que existe, na Carta de 88, a previsão quanto ao Supremo Tribunal Federal. e estendeu-se ao Superior Tribunal de Justiça - porque se retirou daqui urna fatia da competência até então existente, e passou o Superior Tribunal de Justiça a ficar enlcarregado da preservação da intangibilidade da legislação federal - o valioso remédio jurídico.

                ‘Ora, será que, em face do instituto da simetria, não teríamos base para entender que os Estados-merrbros, via Constituição, e diria mais, mediante até mesmo legislação ordinária, podem estabelecer a reclamação? Penso que sim. E volto à premissa de meu voto, que está na respeitabilidade. na imperatividade de decisão - certa ou errada - emanada do poder competente, que é o Poder Judiciário.
                Vou pedir vênia aos Colegas, e creio que o julgamento desta Ação Direta de Inconstitucionalidade fará chover processos de capa rosa, nesta Corte, as reclamações, porque aqui temos o envolvimento, como ressaltado pelo Ministro Moreira Alves, também de ato do Tribunal, devendo-se presumir, portanto, que a Corte admitirá a reclamação. Não creio que o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará venha a fechar os olhos à obrigatoriedade dos cidadãos, dos jurisdicionados, dos réus, especialmente do Estado, de quem se espera postura exemplar, nos dias atuais pouco comum, de cumprirem as decisões por ele prolatadas, em que pese o deferimento da liminar nesta Ação Direta de Inconstitucionalidade.

                Indefiro-a.


*     *     *     *     *


                        Pelo visto, ao dirimir a questão, o Supremo Tribunal Federal afastou todos os fundamentos expendidos no sentido da  inadmissibilidade da Reclamação, seja pelos Tribunais Estaduais, seja pelos Tribunais Federais não mencionados expressamente na Constituição Federal como competentes para processar e julgar, originalmente, a Reclamação de que se trata..

                        E, assim o fez reconhecendo, em elementos fulcrais, a constitucionalidade da Reclamação no âmbito dos Tribunais Estaduais, a fundamentos inafastáveis, tais como:

1 - a situação do instituto no âmbito do direito constitucional de petição, previsto no art. 5°, inciso XXXIV, alínea a, da Constituição Federal;

2 - a respeitabilidade ao princípio da efetividade das decisões judiciais;

3 - a imperatividade que emana da teoria dos poderes implícitos dos tribunais, aplicável a todos os Tribunais, sejam estaduais ou federais.

                        O direito constitucional de petição se revela na faculdade, que é outorgada a qualquer cidadão, de noticiar ao Poder Público qualquer fato ilegal ou abusivo, para que esse adote providências.

                        O respeito ao princípio da efetividade das decisões judiciais conduz à obrigatoriedade de conhecimento de medida específica para tornar eficazes essas decisões, com vista a impedir que cidadãos que possuam, a seu favor, uma decisão judicial com trânsito em julgado, fiquem a mercê da boa vontade daqueles que devem suportar o munus de seu cumprimento.  

                        A teoria dos poderes implícitos, propugna que, ao outorgar a um Tribunal a competência para a prática de determinados atos, se lhe outorga, por igual e a um só tempo, o direito / dever de usar de meios que possibilitem o exercício dessa competência, inclusive aqueles necessários a torná-los eficazes.

                        4 – EFEITO VINCULANTE NA ADI

                        Negar, pois, a admissibilidade da Reclamação Constitucional em Tribunal Estadual será desrespeitar os fundamentos determinantes da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 2.212-1/CE, isso, em razão do seu efeito vinculante, pois, na espécie, “a eficácia da decisão do Tribunal transcende o caso singular, de modo que os princípios dimanados sobre a interpretação da Constituição devem ser observados por todos os Tribunais e autoridades nos casos futuros”,  conforme decisão do Ministro Gilmar Mendes na RCL 2.126, publicada no DJ de 19 de agosto de 2002.

                        Convém mencionar, ainda, que essa vinculação não está adstrita à parte dispositiva do aresto, como se pode constatar no voto do Ministro Gilmar Mendes na RCL 1.987/DF, publicado no DJ de 21 de maio de 2004, quando menciona que, em se tratando de  Ação Direta de Inconstitucionalidade,  “o alcance do efeito vinculante não pode estar limitado à sua parte dispositiva, devendo, também, considerar os chamados ‘fundamentos determinantes’”.

                        Esse alcance do efeito vinculante, contudo, já foi e ainda é polemizado na esfera do magistério doutrinário, sem, no entanto, influir no entendimento da nossa Corte Constitucional que, recentemente fixou posição, conforme mencionou o Ministro Celso de Melo em decisão monocrática proferida na Reclamação n° 2.986, do seguinte teor: “Cabe registrar, neste ponto, por relevante, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no exame final da Rcl. 1.987/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORREA, expressamente admitiu a possibilidade de reconhecer-se, em nosso sistema jurídico, a existência do fenômeno da “transcendência dos motivos que embasaram a decisão” proferida por esta Corte, em processo de fiscalização normativa abstrata, em ordem a proclamar que o efeito vinculante refere-se, também, à própria “ratio decidendi”, projetando-se, em conseqüência, para além da parte dispositiva do julgamento, “in abstracto”, de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade”.

                        5 – NORMAS PROCEDIMENTAIS

                        Assim, não restando dúvidas quanto à admissibilidade, pelos Tribunais Estaduais, da Reclamação Constitucional, merece ela, neste comenos, ser examinada,  sob o ângulo  procedimental, quanto a abrangência e o alcance dos artigos 13 a 18, da Lei n° 8.038/90, no que concerne à sua aplicação a todos os tribunais, mesmo quando apenas se refiram ao Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça

                        Nesse aspecto, impõe-se interpretar as normas emanadas dos  mencionados  artigos da Lei 8.038/90, como aplicáveis, por analogia,  a todos os tribunais pátrios,

                        É bem de ver-se que o Superior Tribunal de Justiça, em inúmeros julgados, vem decidindo, de modo uniforme e reiterado, por exemplo, que o art. 39 dessa lei se aplica, por analogia, a todos os tribunais brasileiros, conforme expressou o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira ao relatar o AROMS 9.395/BA (DJ 14/12/98), no sentido de que, “na esteira de entendimento doutrinário, com precedente nesta Corte (RMS 7823/RS), aplica-se o art. 39 da Lei 8.038/90, que prevê o cabimento de agravo interno contra decisão de relator, a todos os tribunais.”

                        Essas decisões, dentre muitas outras, expressam o pensamento uniforme e pacificado daquela Corte Superior, de que o preceito do art. 39 se aplica a todos os tribunais, fixando, dessarte, entendimento.cediço segundo o qual,  inobstante a Lei n° 8.038/90 se destinar à regular procedimentos processuais perante o Supremo Tribunal Federal  e o Superior Tribunal de Justiça, um dos  institutos ai regulados, qual seja  o agravo interno,  se aplica a todos os tribunais brasileiros, repelindo, assim, por si só, o entendimento, já ultrapassado, de que essa norma legal se limita aos dois tribunais a que se refere.

                        A outro fundamento que não se afasta da linha de raciocínio lógico adotada no  entendimento antes exposto, o Tribunal de Justiça do Estado do Acre, no Acórdão publicado no seu Diário da Justiça sob o nº 4.732, referente a Agravo Regimental na Reclamação nº 2005.001456-1, relatado pela Desembargadora Maricele Lopes, assim decidiu: “É cabível o instituto da reclamação, para impedir a usurpação de competência deste egrégio Tribunal, sendo irrelevante se a autoridade é judiciária ou administrativa, aplicando-se, em termos procedimentais, as regras dispostas nos arts. 13 a 18, da Lei n. 8.038/90, que devem ser observadas nos Estados por força da Lei n. 8.658, de 1993” .

                        Assinale-se que a Lei nº 8.658/93, na qual se respaldou a decisão supra para considerar observáveis nos Estados os preceitos dos arts. 13 a 18 da Lei nº 8.038/90, também não se referem, especificamente a esses artigos, delineando a mesma linha de entendimento do Superior Tribunal de Justiça quando, por analogia, refere-se ao art. 39 da própria Lei nº 8.038/90, para considerar que essa lei não tem a sua aplicação limitada aos dois tribunais superiores que menciona.  

                        É bem assim, no direito pátrio, a interpretação de modo sistemático das normas legais e constitucionais em geral e em especial as que se referem à Reclamação Constitucional, determina a sua aplicação a todos os tribunais brasileiros, à luz, inclusive, do princípio da isonomia de que trata o caput do art. 5º da Constituição Federal.

                        Não se há de afastar, portanto, a aplicação a todos os tribunais, por analogia, com esteio  na teoria dos poderes implícitos, nos princípios da equidade,  da isonomia e no da efetividade das decisões judiciais antes examinados, também, as normas legais que tratam dos procedimentos processuais referentes à Reclamação Constitucional.

                        6 – RECLAMAÇÃO  CONSTITUCIONALNO ESTADO DA BAHIA

                        No caso do Estado da Bahia, que nos interessa em particular, o instituto da Reclamação Constitucional está inserto na Constituição do Estado, mais precisamente na alínea a do inciso I do artigo 123, como segue:

Art. 123 - Compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuições previstas nesta Constituição:

I - processar e julgar, originariamente:
..................................................................................................................................................................................................

i)     as reclamações para preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas ordens e decisões;

                        No entanto, a inserção e regulamentação desse instituto no Regimento interno do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia so veio a ocorrer em 4 de setembro de 2008, com a vigência do novo Regimento Interno dessa Corte de Justiça.

                        O instituto da Reclamação Constitucional, sob o título, apenas, de Reclamação, no novo Regimento está, assim, disciplinado.

CAPÍTULO VII
RECLAMAÇÃO (Arts. 248 a 253)
Art. 248 - Para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões, caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público.
                     Parágrafo único - A reclamação, dirigida ao Presidente do Tribunal e instruída com prova documental, será autuada e distribuída ao Relator da causa principal, sempre que possível.
Art. 249 - Ao despachar a reclamação, o Relator:
                     I - requisitará informações da autoridade a quem for imputada a prática do ato impugnado, a qual as prestará no prazo de 10 (dez) dias;
                     II - ordenará, se necessário, para evitar dano irreparável a suspensão do processo ou do ato impugnado.
Art. 250 - Qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante.
                     Parágrafo único - O beneficiário da decisão reclamada deverá ser citado.
Art. 251 - O Ministério Público, nas reclamações que não houver formulado, terá vistado processo, por 5 (cinco) dias, após o decurso do prazo para informações.
Art. 252 - Julgando procedente a reclamação, o Tribunal cassará a decisão exorbitantede seu julgado ou determinará medida adequada à preservação de sua competência.
Art. 253 - O Presidente determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se oacórdão posteriormente.

                        Dúvidas não restam, pois, quanto a aplicabilidade desse instituto  no âmbito, também, do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia que, com isso, conta com mais essa forma legítima para  garantir a autoridade das suas decisões.

                        À toda evidência, o respeito ao princípio da efetividade das decisões judiciais conduz à obrigatoriedade e não à faculdsde, de conhecimento, pelo Tribunal de Justiça, de medida específica como a Reclamação Constitucional ou, simplesmente, Reclamação,  para tornar eficazes essas decisões, impondo a sua autoridade e  impedindo que cidadãos possuidores de uma decisão judicial,  a seu favor,  com trânsito em julgado, fiquem a mercê da má vontade, da chacota, da certeza de impunidade e do descompromisso com os princípios constitucionalistas e democráticos  de quem tem o dever de suportar o munus de seu cumprimento.
Salvador/Ba.,  janeiro de 2011
                                                                                                                       Antonio Magalhães
                                                                                                                           OAB/Ba. 11.540